Idos de 1988 (lá venho eu de novo com estas histórias tiradas do fundo do baú), 3 ano científico , vespera do vestibular. Já mencionei antes que estudei no Colégio Princesa Isabel, o que não mencionei é que ao invés de iniciar nas turmas regulares, ganhei uma bolsa de estudos e fui estudar na turma IME-ITA.
Para quem não sabe a turma IME-ITA é uma turma especial na qual se preparam normalmente homens para as academias militares de engenharia. Rotina rigorosa, aulas de segunda a sábado, provas todos os domingos e lista de exercícios cada vez mais difíceis. Quando chegamos ao meio do ano tive uma estafa e fui obrigado a tomar a seguinte decisão: ou voltava as turmas regulares e me preparava para o vestibular convencional ou inevitavelmente não passaria para lugar nenhum.
Apesar de uma pequena frustração, pude pelo menos retomar uma rotina normal de adolescente e mais do que isso desfrutar dos últimos minutos na escola. A universidade é um passo antes da vida real, onde não há mais recreios, chamadas e recuperações e por isso decidi aproveitar ao máximo estes momentos.
Tinha uma grande amiga que jogava tênis no mesmo clube que eu e que estudava no mesmo colégio. No grupo de amigos dela, várias meninas que se preparavam para as mais diversas áreas, economia, direito, engenharia, etc. Não preciso dizer que após meio ano estudando só com homens de 12:00 as 20:30, estava indo direto ao paraíso...
Nesta época era muito comum irmos em algumas boates e/ou barzinhos que tocavam bossa nova, ritmo de dança que permite dançar coladinho, e que era a perfeita oportunidade de uma conversa ao pé do ouvido. Tive oportunidade de namorar uma destas meninas, mas como todo namoro daquela época não durou muito tempo, apenas um mês.
Continuei saindo com o mesmo grupo e nele havia uma menina ruiva, muito interessante. Ela sempre comentava que saia com caras mais velhos, curtia Oswaldo Montenegro e pelo descritivo certamente não deveria constar no seu leque de interesses. Mas como a vida é engraçada e cheia de reviravoltas, eis que um dia estavamos no recreio, andando e conversando e soltei a seguinte pérola : " Poxa, ninguém tem gostado de mim ultimamente" e a linda garotinha ruiva (como diria charlie brown) retrucou : "Que isso, tem muitas interessadas, basta olhar ao seu redor !"
Bom, não estava em inglês, nem era música do Marvin Gaye, mas o jumento aqui respondeu : " Onde, onde...". Um cara idiota como esse não merece mesmo uma linda garotinha ruiva....Mas eis que estavamos perto da nossa formatura do colégio, que era o evento do ano e todos estavamos animadíssimos para esta comemoração. Homens de terno, mulheres de longo, o evento prometia, então tudo era possível.
Comprei meu terno na Borelli, no Rio Sul, e meu pai foi escolher comigo. Se visse uma foto do terno hoje, juro que eu sairia correndo, mulher apaixonada topa qualquer parada mesmo, porque o terno era ridículo, hehehe...Moda, moda, moda, o tempo passa e avacalha tudo.
Na tarde que antecedeu o evento,vários amigos meus se reuniram para as últimas impressões e em alguns casos planejar a melhor abordagem. Ao final, ficamos eu e meu amigo André que era muito amigo da linda garotinha ruiva. Bom, lá pelas tantas, André me pergunta o que eu acho da amiga dele. Bom, eu respondi : "André acho ela uma gata, mas creio que não faço o tipo dela." e daí veio a resposta que me intrigou : " Marcelo, porque você não tenta ? Às vezes isso é só impressão sua."
Pois bem, banho tomado, cabelo cortado e com uma pulga atrás da orelha, coloquei meu terno, ou armadura de combate, e fui para a festa. O local não poderia ser o mais apropriado, Clube Costa Brava, dezembro de 1988 , clima quente, noite clara e toda cheia de estrelas e uma varanda perfeita para observar a noite, enquanto as ondas quebram nas pedras.
Tudo transcorria normalmente sem nenhum sobressalto. Havia também nesta festa outra menina que estava interessada em mim e que estava na mesma mesa que nosso grupo, mas até ai nada demais porque eu nem tinha feito planos de ficar com ninguém. A música rolava solta, comida e bebidas liberadas e um clima de alegria com energia mais que positiva.
Algumas horas depois avistei a linda garotinha ruiva, usando um vestido vinho, salto alto (se eu já era baixinho com ela sem salto, imagina com) , maquiagem perfeita , perfume inebriante (e para um garoto introvertido como eu, é a pura perdição, já diria o RPM) e um batom vermelho...ah..que batom vermelho.
Papo vai , papo vem, surge a idéia de irmos a varanda....pronto...mensagem dada, agora não tem dúvida e nem para onde correr, ela quer ficar comigo mesmo. Bom, após uns minutos de enrolação (pode até não parecer, mas sou bastante tímido) nos beijamos. A diferença de altura era tanta, que deixou um rastro do batom começando na minha boca e terminando na gola de minha blusa (fato este só percebido na manhã seguinte).
Não preciso dizer que a noite se tornou mais do que agradável, tanto que namoramos uns meses e foi uma experiência muito legal , que marcou positivamente o início da minha era universitária. Entretanto, como havia mencionado, havia outra menina interessada e ela nos viu ficando o que causou um momento de desconserto mas nada demais, pelo menos eu achei na hora.
A linda garotinha ruiva teve de ir embora com a irmã por volta das 03:00, eu ao contrário, fiquei até o final porque além de estar de carona, minha carona começou a namorar um grande amigo no mesmo evento. Decidi então deixar meu paletó na mesa do meu grupo e voltar a dançar, afinal de contas nada mais apropriado. Na mesa, sentada com os pés apoiados na cadeira em frente, a outra menina que estava interessada descansava, quando eu com toda minha sensibilidade travei a seguinte conversa:
eu : Oi, tudo bem? Você não vai dançar?
ela: Não estou cansada, obrigado, vou ficar aqui.
eu: Então, posso deixar aqui meu paletó e você toma conta dele para mim?
ela: Pode, claro, mas se alguém quiser levar eu deixo.......
Com a minha sutileza de um jegue, peguei minhas coisas e saí. Não ia correr o risco de perder meu terno novo...hehe...Um amigo meu me retrucou mais tarde que havia sido insensível principalmente em nem ter notado que a menina estava chateada exatamente por minha causa.
Não lembro bem a definição que ele me deu, mas muitos anos mais tarde se tornaria o que chamamos de "Canalha Honesto".....mas eu juro, foi mesmo sem querer.