sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

“We are the substitute people, remember ?”

Além de desenvolver meu gosto por música ao longo dos anos e me preocupar sempre com o conteúdo das letras, outra paixão que possuo é assistir filmes ( a tão conhecida sétima arte).

Tenho alguns filmes que considero clássicos e outros que ao longo dos anos gradativamente incluo nesta categoria. Recentemente assisti novamente o filme “Tudo acontece em Elizabethtown” (Apenas Elizabethtown em inglês) e fiquei deslumbrado pela personagem Claire interpretado pela atriz Kirsten Dunst.

Kirsten , conhecida por muitos apenas como Kiki, faz o papel de um aeromoça que em um vôo se interessa por um passageiro , interpretado por Orlando Bloom, que está indo para a cidade do título tratar do funeral de seu pai, rever sua família e na verdade reencontrar-se. Seu personagem acaba de ser demitido por um fracasso retumbante e ele passa parte do filme esperando pelo momento em que a humilhação pública chegará.

Mas eis que numa tentativa de não se sentir sozinho, ele resolve ligar para alguém e acaba travando uma longa conversa com Claire, que além de sensual, é contagiante e que começa a traçar a dinâmica dos dois personagens. E é aí que o filme me arrebatou. Kirsten é uma mulher que ainda me intriga porque às vezes acho ela linda, outras comum e às vezes nem isso. Entretanto no filme ela está maravilhosa muito mais por causa da aura que ela transmite do que por qualquer outro atributo.

Após uma madrugada de sedução através do telefone eles se encontram e logo no segundo encontro, Claire menciona que ela e ele tem algo em comum, ambos são substitutos. Ela usa esta definição para expressar e definir pessoas que interagem com outras mas não tem um compromisso formal no fim das contas. Entende que assim é mais fácil e diminui a pressão de se trabalhar e viver uma relação. E foi neste momento que me identifiquei na e com a personagem.

Ao decidir viver fora do meu País e em um local onde, devido aos valores rígidos de sua religião, somos também privados de hábitos mais do que normais em nossa sociedade ocidental, o máximo de relação que consigo e consegui manter, ao longo deste período e fora também do país, foi o de “substituto”. É estranho pensar que posso ter conhecido tantos lugares, países, dividido meu tempo e momentos com tantas pessoas muito interessantes e ainda assim não ter estabelecido um relacionamento. Mas é essa é a escolha do substituto ou melhor o preço desta escolha, sublimar por um tempo um lado de sua vida por um objetivo.

Para não parecer melancólico, não sou, nem estou, o personagem de Claire além de apaixonado, é mais do que tudo apaixonante. Ela é inteligente, bem humorada, divertida, descolada e de uma simplicidade que é impossível não desejar ter uma mulher assim na sua vida. Para ela, os problemas são mais uma força motriz, que nos impulsiona a mostrar nossa grandeza, do que um motivo para desanimar e desistir. O personagem me fez, após algum tempo, pensar nisso, em querer me apaixonar de novo e dividir a minha vida. Impossível não pensar : “Eu querendo uma Claire e este tonto ai deixando quase que ela escape entre os dedos” . Obviamente, isso é um exagero, porque Claire é só um personagem e também o filme, só mais uma comédia romântica em que se pode imaginar o final.

Uma das partes mais legais do filme é quando num dos diálogos ela está esperando que ele a peça que fique e ao invés disto, num ato de puro egoísmo, Drew despeja somente sua preocupação em falar de SEU problema e de sua cada vez mais iminente humilhação. Quando eles terminam a conversa e Claire expõe a Drew o que é a verdadeira grandeza na vida de uma pessoa, diz a frase o que dá titulo ao post e que eu achei, apesar de melancólica, perfeita para o momento :


Claire : Now can you quit trying to break up with me ? You’re always trying to break up with me and we are not even together
Drew : I know. Wait. We’re not ?
Claire : Of Course Not. We’re the substitute people, remember ?

Claro que é mentira, ela está apaixonada e frustrada porque, apesar de todos os esforços em animá-lo e acima de tudo para que ele se entregue a paixão que também sente por ela, Drew ainda fica se martirizando pelo que já passou, acabou e não tem como mudar.

Claire representa para Drew um recomeço, uma razão e um caminho para se reconstruir e continuar sua jornada. Talvez seja o que todos nós procuremos e precisemos, uma musa, uma fonte de inspiração, um momento.

Como diria o cantor Ryan Adams cuja música toca durante a conversa que durou a madrugada inteira entre os dois personagens e que eu adoro:


“You know you could, I wish you would,
Come pick me up, take me out,…
… Steal my records, … with a smile on your face and then do it again… I wish you would.“
(Come pick me up– Ryan Adams)


Deu uma vontade de encontrar em meu quarto um par de Spasmoticas (tem de ver o filme para entender) com um bilhete dentro dizendo :

“Here you have reach a fork in the map.
You can go to your car and the rest of the directions will take you home
Or…
Look for a girl in a red hat
Who’s waiting for you with an alternate plan.”
Claire – Elizabethtown.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

A Teoria de Volkmann

O ser humano é capaz de toda sorte de criatividade apenas para não reconhecer sua ignorância ou apenas para demonstrar superioridade. Entretanto, para obter sucesso no seu intento, não somente é necessário credibilidade (ou uma bela cara de pau), como também presumir que o tema decantando é de desconhecimento quase geral.

Idos de 1988 (caramba, só tiro estas do fundo do baú) , me preparava para o vestibular no Colégio Princesa Isabel em botafogo no Rio de Janeiro. Tinhamos um colega de turma cujo apelido era “Mariposa” (também com um apelido desses esperar o quê?) que se dizia especialista em todas as áreas de conhecimento, desde psicologia até ufologia ( o cara era o cara). Não havia um assunto sequer que o homem não dominasse, conhecesse, estudasse ou tivesse ido a um congresso.

Mariposa se achava “o cara”, um belo dia porém, durante uma destas aulas de correção de exercícios de vestibulares anteriores , eu e alguns amigos de turma tivemos a brilhante idéia de montar a solução de um exercício conhecido, inventando uma teoria.

Bom, demorou um pouco a descobrimos o melhor momento mas um belo dia, numa aula de física me veio a brilhante inspiração. O professor passou alguns exercícios para serem resolvidos e apresentados depois do intervalo ( esta disciplina ocupava dois horários) e portanto o primeiro horário servia para praticarmos e o segundo para a correção.

O exercício era um clássico , um cubo com resistência de 1 Ω em cada aresta e que tinhamos de fornecer a resistência final entre os pontos A e B. Solução conhecida, inclusive porque existia o gabarito no final do livro, bastava agora criar a solução detalhada do enigma, usando uma teoria plausível cujo nome soasse familiar ao Mariposa.


Daí o nascimento da brilhante teoria, a Teoria de Volkmann, baseada numa aula de biologia que tivemos uns dois dias antes e que certamente ao menos estaria na “vaga” lembrança de nosso intrépido gênio. Apenas uma breve explicação : Canais de Volkmann são canais microscópicos encontrados no osso compacto, são perpendiculares aos Canais de Haversian (Como é que é? hehehe).

Para aprimorar criei um nome pomposo, Ivan Louis Henri Isaac Volkmann (Ivan = Tenista Ivan Lendl, Louis = Cantor Louis Armstrong , Henri = Pintor Henri Matisse, Isaac = Físico Isaac Newton, Volkmann = Já explicado), porque todo inventor de algo tem um destes nomes. Além do nome imponente, a teoria também era um primor, cheia de passos complicados, simplificações genias e encerrada com a frase: Aplicando-se, por fim, os critérios de simplificação da Teoria de Volkmann, o valor da resistência é X. CQD (como queriamos demonstrar).

Antes de sairmos para o intervalo, Mariposa como sempre fazia me perguntou : “E aí, rapaz? Resolveu o problema do cubo?” . Sem pestanejar disse que sim e perguntei se ele queria dar uma olhada, uma vez que ele me disse que não tinha conseguido resolver. Nosso “mestre” pediu para ver e caso percebesse alguma simplificação na solução nos daria a sua contribuição enquanto aproveitavamos o intervalo.

Apostas feitas por todos, ainda existia em alguns colegas a esperança que ele fosse reconhecer que não conhecia a solução e muito menos a teoria. Mas felizmente, a humanidade não permite que pessoas vaidosas e pedantes tenham lampejos de humildade.

Voltando do intervalo, nosso amigo se aproxima e comenta: “Rapaz que solução excelente, diria até brilhante (Mariposa era um tremendo puxa-saco), não tem nem o que simplificar, está de parabéns”. Ato reflexo eu pergunto: Mas e aí Mariposa? Você conhecia a teoria ? Em seguida, após segundos de suspense, a resposta que valeu a aposta e ainda rende muitos risos em mesas de chopp:

Rapaz, eu conhecia a teoria, só não sabia que era de Volkmann.....

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Podes Crer

O texto é inspirado em um outro que li hoje. Trata do valor de uma amizade, de um sorriso, de uma palavra de conforto, de um porto seguro e mais do que isso do sentimento de perda, vazio e despedida.

Estou a aproximadamente 1 ano e 3 meses morando fora do Brasil e de certa forma como os motivos e objetivos que me trouxeram aqui sempre foram claros, por mais adverso que seja o cenário, consigo me adaptar. Não há nada de especial em mim ou nisso, simplesmente algumas pessoas conseguem se adaptar mais facilmente a mudanças e outras não.

Não é a primeira vez que moro fora, quer dizer, não é a primeira vez que me ausento do país por longo período. O meu relato se remete exatamente ao ano de 1998 quando passei alguns meses em um projeto na Colômbia e me mostrou certos valores que estão dentro de nós, coisas importantes que, por serem parte da nossa rotina, não percebemos exatamente seu valor.

Existe o amor a nossa família, elo inquebrantável, genuíno, puro, sujeito a todas as intemperes e que mesmo assim prevalece. Estou falando de amizade, amigos que são quase como parte da família, aqueles que chamamos de "irmãos de alma".

Tenho a felicidade de poder dizer que tenho alguns assim e que nos momentos mais díficeis, naqueles em que vemos que realmente merece a denominação de amigo, estiveram incondicionalmente ao meu lado. Veja, isso não quer dizer que concordassem comigo, algumas vezes estava errado, mas sempre estiveram dispostos a me apoiar a superar estes momentos.

Estava na Colombia, num projeto situado a 5 horas e meia de Bogotá. Logistica dificil, ambiente adverso no qual nos localizavamos em uma região em que para voltar ao grande centro era necessário ir de ônibus e/ou carro escoltados até uma base militar e de lá , pegar um bi-motor até a capital.

Adicione-se a isso que estava recém-casado, de minha primeira esposa Ana, longe de casa e que era a primeira vez que ficava tanto tempo longe de amigos, família e um país que conhecesse a língua. Diariamente falava com minha mãe e com minha ex-esposa e sempre aproveitava para perguntar sobre meus amigos porque nem sempre dava para ligar para todos. Não era o ideal, mas funcionava.


Um destes dias, um sábado para ser mais exato, liguei para minha casa e minha ex-exposa não estava e nem atendeu. Ato contínuo, liguei para minha mãe que também não atendeu. Aproveitando a brecha, já que não ia dar para ligar de novo, liguei para um grande amigo meu, Márcio. Mais uma vez, nada, por fim liguei para outro grande amigo, o Bordoni e quando seu pai atendeu perguntei por onde ele andava, que estava ligando para todo mundo e que não encontrava ninguém em casa.

A resposta não foi bem aquela que eu esperava. O pai dele me disse que ele estava no hospital com sua noiva visitando o Márcio. Havia sido descoberto um tumor no cérebro e que ele havia sido desenganado pelos médicos, disse ainda mais, que parecia que daquele dia não passava.

A notícia caiu como uma bomba, nunca havia trabalhado a idéia, ou talvez materializado, que podemos nunca mais ver uma pessoa, dar um forte abraço, sair para tomar um chopp, de rir das nossas investidas mal sucedidas, desabafar sobre terminos de namoro, de uma palavra amiga, de um puxão de orelhas ou compartilhar a existência e a importância em nossas vidas. Pela primeira vez de fato senti o que é a sensação de perda, de não ter mais aquelas pessoas ao seu lado (mesmo que ao seu lado seja através de um email ou pelo skype), com quem você pode e que quer contar.

Márcio passou pela operação e foi um sucesso, a recuperação superou até as expectativas dos médicos e não deixou sequelas. Dias depois já no quarto do hospital em recuperação liguei para ele e falei : " Seu sacana, você quase me mata do coração. Da próxima vez, quando for morrer pelo menos me avisa uma semana antes" , do outro lado uma risada prolongada e o complemento dele : " Pô Marcelo, estou com um tubo no nariz, não posso rir, não faz isso.".

Por isso digo que devemos ser amigos dos nossos amigos e sempre que possível demonstrar isso. Nem o tempo , nem a distância, pode minar nossas amizades, só não podemos nos acomodar com elas e procurar sempre vivificá-las dentro de nós.


Como diria o Cidade Negra

"bendito
encontro
na vida
amigo

é tão forte quanto o vento quando sopra
tronco forte que não quebra, não entorta
podes crer, podes crer,eu tô falando de amizade. "

Ou como diz um ditado que aprendi : " Amigo é aquele que chega quando todo mundo foi embora."

Dedicado a todos os meus amigos que estiveram e ainda estão ao meu lado.

Obrigado por ontem , hoje e sempre.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

"Poliflóta"

Estou eu aqui de volta. Desde cedo vi minha irmã aprendendo línguas, inglês para ser mais preciso, e dando aulas particulares. Confesso até que, quando eu comecei a estudar e principalmente em razão da história que vou contar agora, até eu mesmo tive aulas com ela.
Toda preparação para provas era ela que estudava comigo o que particularmente me garantiu muitos 10,0 diga-se de passagem, não que eu fosse mau aluno, mas sim porque demorou algum tempo a eu dar a devida importância a este aprendizado.
Quando estava na quinta série aproveitei-me muito do fato de ter uma prima um ano mais nova para ir nas festas da sua turma de colégio e conhecer suas amigas. É público e notório que rapazes mais velhos fazem sucesso com meninas mais novas e apesar de não ser bem sucedido com as garotas da minha turma em razão da mesma idade, isso era facilmente compensando ao sair com minha prima.
Foi numa destas festas que tudo mudou. Ao longo da festa conversei com alguns amigos até que lá para o final da noite comecei a conversar com uma amiga da minha prima que era muito interessante e particularmente bonita.
Apenas uma nota, apesar de fazer referência a aparência física quero apenas relatar que não gosto de mulher burra, sendo que tornar-se interessante para mim é atrair a minha atenção em todos os sentidos, principalmente sendo uma pessoa que tenha algo a me dizer e acrescentar.
Nos idos da década de 80 (é isso mesmo) , era muito normal que a partir da meia-noite, rolasse a hora "mela cueca" , momento no qual tocava direto várias músicas lentas (Knife, Drive, Total Eclipse of the Heart, Purple Rain, Save a Prayer, entre outras). Esse era o momento chave, hora de convidar aquela garota interessante e não muito raramente levar alguns "tocos", hehehe.
Mas como havia dito, neste dia estava com esta menina e então isto não seria um problema, já tinha meu par e nada de "toco". Antes de começar a parte de músicas lentas tocou, me lembro como se fosse hoje, Sexual Healing do Marvin Gaye, música que eu adoro e que era presença certa em todas as festas. No meio do refrão, " Get up, Get up, Get up, Let's make love tonight, wake up, wake up, wake up, Cause you do it right..." , minha companheira soprou no meu ouvido a seguinte frase que jamais esquecerei: "O que você acha disso ?" . Eu, no auge de minha ignorância, ingenuidade e com toda sinceridade respondi a verdade: "Não sei." Uma vez que não sabia uma palavra de inglês vai saber o que o homem tava dizendo, preferi não arriscar.
Assim, logo depois da resposta ela me disse: "Pense então e depois me responde." . Só posso dizer que estou até hoje procurando por ela para responder...he hehe....santa ignorância. Chegando em casa perguntei a minha irmã que me explicou o significado do refrão e nem preciso dizer que na segunda-feira seguinte adicionei duas coisas em minha vida: Classes de inglês na Cultura Inglesa do Jardim Botânico e um gosto por entender o sentido das letras das músicas. Dura lição mas que serviu de grande aprendizado e que me é útil até hoje.
Hoje posso dizer que domino relativamente 3 idiomas (além do meu, inglês e espanhol) e estou aprendendo um quarto, Árabe, ainda que seja difícil e de lento aprendizado.

Um verdadeiro "poliflóta" como diria Silas Simplesmente.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Play it Again, Sam

Bom, me disseram que escrever um blog exige disciplina e concordo. Entretanto, muitas vezes as demoras são muito mais frutos de dificuldades pontuais do que preguiça, esquecimento ou perda de interesse.

Tenho algumas histórias na minha cabeça quase todas prontas para irem para o papel mas até para manter-me sempre forçado a sentar na frente da máquina e criar, vou escrevendo aos poucos e não tudo de uma vez.

Maria Luiza foi o meu grande amor da juventude. Mais conhecida como Malu, irmã do meio de uma amiga minha de colégio, a Bebel, foi a mulher para a qual eu mais escrevi versos, ao todo 14 poesias. Ao contrário do que se possa pensar, na juventude jamais tive este amor correspondido, seriam necessários mais 14 anos para que fosse correspondido.

Conheci Malu na festa de aniversário da Bebel e de cara gostei dela. Apaixonada por Michael Jackson, este foi meu pretexto para passar a noite toda conversando com ela. Ela é uma mulher muito bonita, baixinha (deve ter por volta de 1,58m) , cabelos negros, olhos azuis, sorriso de anúncio de pasta de dente e para completar eleita na oitava série a mulher mais bonita do Colégio Pedro II.

Apesar disso tudo posso dizer hoje que entendo porque ela não se interessou de imediato por mim. Demonstrações desbalanceadas de interesse sempre geram esse fenômeno e nós, seres humanos, sempre escolhemos o caminho mais difícil ou o mais misterioso e/ou desafiador.

Como eu não era desafiador, meu colega de turma Alexandre veio a ser namorado dela por muitos anos. Em parte em razão deste namoro nossa amizade se estremeceu mas não posso dizer que ele não tenha sido um amigo leal e integro, muito pelo contrário. No dia em que começaram a namorar, na festa de 15 anos da Malu, Alexandre me acompanhou até o carro e me questionou sobre namorar ou não com ela e respondi que se ela o havia escolhido, que fosse em frente. Amor não se escolhe, ele nos escolhe, e está aí o grande truque do amor.

Muitos anos depois quando a idéia de ficar com ela nem mais existia na minha cabeça, a encontrei em uma festa de aniversário com sua família. Ela veio em minha direção com uma vivacidade e alegria que confesso me surpreenderam. Em anos, nunca havia visto uma demonstração de euforia assim por parte dela. Ela me pegou pela mão e me tirou da roda de amigos em que me encontrava e foi me mostrar para sua mãe. Durante toda a festa ficamos conversando e atualizando nossas vidas.

Notei que algo estava diferente ainda que sua beleza e sorriso permanecessem inabaláveis com o passar dos anos. Finalmente ela me comentou que havia sido acometida de um tumor que lhe havia deixado marcas, visíveis (uma cicatriz) e, devido ao tratamento, outras não aparentes. Trocamos contato sem com isso afirmar ou designar algum tipo de encontro.

Tempos depois, liguei para ela e marcamos um chopp no Baixo Gávea. Quando chegamos lá, nos sentamos e mantivemos um longo papo, afinal mais de 14 anos representa um hiato significativo na vida da gente. Em certo ponto, inevitavelmente, ela comentou como era ela bonita e que a enfermidade que lhe havia acometido tinha tirado o viço de outrora, que a cicatriz havia retirado parte da beleza que ao longo de sua adolescencia lhe acompanhava.

Como se fosse o mesmo menino que com 16 anos havia se apaixonado por ela, eu disse – supostamente parafraseando Clint Eastwood em Os Imperdoáveis – “Todos nós temos marcas, uns por dentro e outros por fora “. O fato é, revendo o filme, esta frase simplesmente não existe, foi uma criação minha e não uma citação. Seja como for culminou em um beijo e num período em que ficamos juntos.

Daí o título deste texto Play it Again, Sam, frase que não existe no filme Casablanca e que ao mesmo tempo ficou imortalizada. Poderia apresentar todos os poemas que fiz para ela, mas segue abaixo o derradeiro e que imortalizou para mim este momento. Vamos ver se me sai bem, é um acróstico.


Meus medos e meus desejos
São como antiteses do meu ser
Sentimentos puros e antigos
Guardados num livro de memórias dentro do meu coração

As cicatrizes que trago em meu peito.
Aquelas que só eu vejo e conheço
São como marcas num velho carvalho, juras de apaixonados
Promessas do que está por vir.

Longe vai meu pensamento
E o tempo torna em homem o menino.
Transformando sonhos em realidade.

Unindo o que foi separado pelo hiato do tempo
Apontando o rumo certo, esperado reencontro, ainda que por breves momentos.
Suspensos no tempo, intensamente vivos dentro do meu ser.